O quarto passo.

sexta-feira, agosto 14, 2015


Pontualmente, às seis horas e três minutos, ele acordou para começar a sua rotina em uma chuvosa quarta-feira, daquelas que torcem o ânimo dos mais contentados, e abriu a janela de alumínio. Sentiu a brisa fresca de uma atmosfera triste, mensagem da natureza descontente, e percebeu que o desequilíbrio era presente além do corpo que controlava. Talvez, com o tempo, se atrofiavam os pensamentos e o raciocínio já não permanecia o mesmo. De que maneira ele contribuiria com o todo se a sua parte estava despedaçada? Seu questionamento durou tanto quanto o desconforto térmico originado ao sair debaixo das cobertas, e logo seguiu em direção ao óbvio.

A água fluindo pelo lavabo tentava acordar o belo adormecido, sendo ele um contorno social ou apenas pessoal, mas isso já não importava. Quem contemplaria um semblante cansado de ser ignorado? A louça tinha a cor de seus olhos, ao passo que brilhava a cada momento que tinha a chance de tornar-se uma utilidade na pureza do outro, tornando-se limpa também. A diferença é que esse é seu ciclo, e o indivíduo jamais se encontraria assim, pois vivia na abnegação de se importar somente com a humanidade ao seu redor. Esgotara-se na tentativa de fazer o seu melhor para o melhor de todo o mundo, e com isso seu combustível entrara na reserva. Cansou-se, e seguiu em direção à si mesmo.

A bebida estrategicamente construída para arregalar seus olhos foi manejada por mãos experientes e fortes. Num minucioso gesto, pingou um tanto desprezível de leite na xícara cheia de café, sem nada de açúcar, amargo como vinham se tornando os seus relacionamentos. Esquecimentos, afastamentos, besteirinhas que faziam com que alguém tão caloroso quanto ele se sentisse sozinho em meio a sete bilhões de pessoas. Nunca imaginou que palavras pudessem ser tão vazias e insignificantes como sentira naquele momento. Engoliu o mini sanduíche como costumava engolir desculpas e mentiras, e garganta abaixo desceu o perfeito engano para a fome como desciam os elogios para o ego. E seguiu em direção à morte.

Percebeu, caminhando ao destino seu de cada dia, que por osmose também poderia viver diferente. Notou, pacificamente, que poderia harmoniosamente conviver com a turbulência da sociedade, que o prendia no seu universo em constante encolhimento. Para isso, bastaria aceitar suas vontades, desejos e sonhos, e parar de se limitar diante de qualquer dificuldade ou medo de decepcionar. Lutar, até a última gota de suor, talvez lhe traria aquilo que ansiava há tempos, e resolveu então tentar. Sangrar, até se sentir vivo, talvez lhe faria aprender a amar, e resolveu então agir. Deu meia volta na decisão de continuar na mesma para não precisar ter que decidir mais nada dali pra frente. E então, em sua própria essência, se entregou ao verdadeiro sonho com a mais pura naturalidade. E seguiu em direção à vida.


M.

* Imagem by Robinexile


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